Entre os investimentos de longo prazo, os planos de Previdência Complementar certamente merecem destaque. Seja pelo patrimônio de cerca de R$ 1,3 trilhão das Entidades Fechadas de Previdência Complementar) ou por conta dos 900 mil aposentados e beneficiários, as mudanças e regulamentações do setor são constantemente objeto de grandes discussões. Um dos temas que requer atenção é a marcação a mercado dos planos de benefício.
O principal objetivo de uma EFPC é oferecer ao público um plano de benefício de previdência privada, complementando os recursos da aposentadoria do INSS. Assim, ao contrário de outros investimentos, a gestão de um fundo de pensão envolve não somente a boa escolha de papéis para composição de uma carteira, mas análises e monitoramento de risco e liquidez, sempre com foco em conciliar ativos e passivos para garantir o pagamento dos benefícios periódicos.
A marcação a mercado é uma importante ferramenta que ajuda neste controle. Ao saber quanto os investidores estariam dispostos a pagar por um ativo caso o mesmo precise ser liquidado, os gestores acompanham o valor atual da carteira e podem gerenciar ativo e passivo de forma mais precisa. Ou seja, com a marcação a mercado, os preços passam a refletir também riscos de mercado e liquidez, característica importante principalmente quando a preocupação com o quesito liquidez aumenta diante de algum cenário específico.
Desde 2021, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), com a Resolução 43, exige que todos os planos, com exceção dos planos da modalidade benefício definido, marquem os títulos de renda fixa a mercado. Isso inclui títulos públicos e privados, como debêntures, CDBs, CRIs, CRAs entre outros.
No final do ano passado, o CNPC aprovou a Resolução nº 61. A partir da prerrogativa de que um fundo de pensão é um investimento de longo prazo e, portanto, muitos papéis da carteira são mantidos até o vencimento, a medida abre exceção para que os títulos públicos, em determinadas situações, sejam marcados na curva. Pelas regras, as entidades poderão usar esta classificação se demonstrarem capacidade de manter os papéis até o vencimento e o ativo possuir prazo igual ou superior a cinco anos.
Pensando na natureza do investimento, a flexibilidade pode ser benéfica. Porém, para que, de fato, seja eficaz, será necessário um controle ainda mais rígido da gestão do fundo com o uso de ferramentas eficientes de Asset Liability Management (ALM) ou Asset Risk Management (ARM). Muito mais do que simplesmente selecionar o que poderá ou não ser marcado na curva, a medida envolve análises complexas e o uso de instrumentos para equilibrar ativos com passivos ou expectativas de retorno. Em todo este cenário, o principal ponto é a capacidade de as entidades equacionarem a gestão do ativo com a necessidade ou perspectiva de pagamento, e honrar o plano de benefício. O descasamento pode trazer grandes prejuízos, tanto para os beneficiários como para a própria entidade.
Assim, além de um estudo de ALM/ARM, as entidades precisarão se ater ainda mais ao processo de alocação de ativos, balanceando retorno e diversificação, buscando a melhor qualidade de gestão de recursos, inclusive de fundos investidos quando a gestão for terceirizada. Simulações atuariais monitoramento tempestivo de prazo para alinhamento de fluxo de pagamentos e testes de estresse para mensurar impactos das alterações conjunturais da economia são ferramentas que deverão estar ainda mais presentes no dia a dia dos fundos de pensão.
É importante ressaltar que, segundo o último levantamento da Abrapp, cerca de 80% dos investimentos de fundos de pensão são ativos de renda fixa. Desse total, estima-se que cerca de 70% estão investidos em títulos públicos. Ou seja, os títulos públicos representam quase 60% do patrimônio total desse tipo de investimentos.
As EFPCs têm até 2026 para realizarem a transição do tipo de marcação, ou seja, devem informar os títulos públicos que passarão a ser marcados na curva. Neste intervalo, precisam se dedicar às análises e levar em conta as características particulares de cada fundo, demonstrando a capacidade financeira de honrar os compromissos futuros sem a liquidação de tais papéis e ter clara intenção de manter tais títulos até o vencimento.
Os mecanismos de mitigação de risco para o investidor final são de extrema importância para o bom funcionamento do mercado previdenciário. E abrir mão da marcação a mercado é uma decisão que requer dados muito claros e estudos que mostrem o casamento entre ativo e passivo. Somente assim, esta migração poderá ser realiza com sucesso e não trará prejuízos aos planos e aos beneficiários.