Com o objetivo de se tornar um dos principais eventos de alternativos da América Latina, a Picton expandiu seu tradicional seminário para uma conferência de dois dias. Com palestrantes de grandes instituições, family offices e bancos privados da região, além de dezenas de GPs internacionais representando um arco-íris de estratégias de mercados privados, a empresa chilena conseguiu reunir centenas de participantes no hotel Ritz-Carlton de Santiago.
A conferência apresentou uma variedade de convidados de alto calibre, com 80 palestrantes e representantes de 31 GPs de renome. Reuniu mais de 500 representantes de diferentes organizações, incluindo AFPs, companhias de seguros e family offices do Chile, além de participantes do México, El Salvador, Costa Rica, Colômbia e Peru. No total, o evento serviu de pano de fundo para 1.200 reuniões de negócios, realizadas nos andares superiores ao salão onde aconteceram as palestras.
O ponto alto que encerrou o segundo dia foi a décima segunda edição do tradicional seminário da Picton, que este ano manteve o enfoque político e contou com a presença especial do ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson.
Sempre ancorado no mundo das estratégias alternativas, o programa da cúpula da Picton cobriu um amplo espectro de visões, tanto do buyside quanto do sellside, delineando a experiência regional em investimentos nessa classe de ativos. O evento também trouxe as perspectivas dos líderes da Superintendência de Pensões e da Comissão para o Mercado Financeiro (CMF).
Institucionais diante das reformas
Os fundos de pensão são investidores de longa data no mundo dos mercados privados. Por isso, a análise dos sistemas de pensão na América Latina foi destaque na agenda da conferência da Picton. O ambiente de reformas previdenciárias na região foi o tema do primeiro painel de discussão do evento, moderado por Paulina Yazigi, presidente da Associação de Administradoras de Fundos de Pensão (AAFP). A especialista iniciou a conversa classificando o investimento em alternativos como “essencial para melhores retornos e pensões”.
Assim, os principais executivos das AFPs da região andina delinearam o cenário em cada um de seus países. No caso do Chile — que discute projetos de reforma há uma década — há “uma reforma que nasceu sem ter estudado o estado do sistema de pensões” no país, segundo a visão de Alejandro Bezanilla, gerente geral da AFP Habitat.
Nesse sentido, o executivo fez um apelo para que as mudanças sejam graduais, “construídas a partir do que já funciona bem”, em vez de buscar “mudanças refundacionais”.
Na Colômbia, ainda falta regulamentar o sistema aprovado pelo Congresso, com previsão de vigência a partir de 1º de julho de 2025, conforme indicou Juan David Correa, gerente geral da AFP Protección. Mesmo assim, o modelo integra os sistemas de repartição e capitalização individual, consolidando um pilar solidário.
Agora, um dos principais desafios, segundo o executivo, é a sustentabilidade: o governo, explicou, “passou a subsidiar os primeiros 700 dólares de todas as pessoas”. Além disso, há o problema da informalidade, que destaca questões de reforma trabalhista e falta de flexibilidade para incorporar trabalhadores autônomos.
Miguel Largacha, CEO da Porvenir, acrescentou que “o custo será o dobro” após a reforma colombiana. O problema, afirmou o executivo, é que não houve aumento na idade de aposentadoria nem na contribuição. Largacha destacou os desafios envolvidos em atender 18 milhões de afiliados, os requisitos regulatórios e o debate parlamentar que gera dúvidas sobre a constitucionalidade da reforma.
Compartilhando sua experiência no Peru, Aldo Ferrini, gerente geral da AFP Integra, celebrou o fato de que o país conseguiu encerrar anos de discussões e aprovar uma reforma. “Não pode ser tudo o que você quer”, disse ele, mas ajuda a mitigar um problema particular da indústria peruana: “Nos acostumamos a retiradas extraordinárias”. Isso, segundo ele, reduziu à metade os fundos de pensão.
Além dos desafios comuns, como o retorno das carteiras e o risco político, o CEO ressaltou a importância de evitar novos resgates. “É muito importante encerrar as retiradas de forma permanente”, afirmou.
A visão dos CIOs de AFP
Além de compartilharem suas experiências investindo em alternativos, os diretores de investimento das gestoras previdenciárias da região andina e do México também abordaram as variáveis observadas em suas jurisdições.
“Pessoalmente, o que mais me preocupa é a licitação de estoque,” disse Carolina Mery, CIO da AFP Habitat, referindo-se ao impacto potencial na sofisticação e diversificação das carteiras, já que não se pode mudar facilmente o gestor de um investimento de longo prazo, como os ativos privados.
Por sua vez, o diretor de investimentos da AFP Cuprum, Andrés García, destacou que o mais importante é aumentar as pensões e que, para isso, a rentabilidade tem um papel central. “Ninguém tem focado em como melhorar a rentabilidade,” disse, classificando o regime de investimento dos fundos de pensão como “ultrapassado”.
Francisco Guzmán, CIO da AFP Capital, apontou como positivo o aumento do limite de investimento em alternativos para as AFPs, o que tem permitido o desenvolvimento de equipes especializadas dentro das gestoras.
Ecoando a experiência colombiana, Felipe Herrera, gerente de investimentos da Proteção, indicou que o principal desafio para as AFPs locais é de ordem regulatória: harmonizar os fundos geracionais com o sistema de repartição atual.
No México, o CIO da Afore XXI Banorte, Rafael Trejo, detalhou as mudanças no modelo local, que aumentará a contribuição gradualmente até 15% em 2032. Atualmente, os fundos de pensão têm um limite de 20% para investimentos fora do México e não podem fazer investimentos diretos, sendo necessários veículos listados. Para mudar isso, seria necessária uma nova lei no Congresso.
Juan Pablo Noziglia, CIO da AFP Prima, destacou que o futuro dos investimentos dos fundos de pensão peruanos dependerá muito das regulamentações da reforma. Atualmente, as AFPs têm um limite de 50% para investimentos no exterior.
A experiência das seguradoras
Outros grandes demandantes de fundos de investimento, as seguradoras, também participaram do evento. Em um painel com gerentes de investimento do setor, eles compartilharam suas experiências em alternativos.
“Não só focamos em alternativos como private equity,” contou Jorge Espinoza, CIO da Confuturo, explicando que diversificaram suas carteiras com foco internacional. “A perspectiva é de aumento,” acrescentou.
Jorge Palavecino, gerente de investimentos da Penta Vida, destacou que, após a crise financeira, começaram a focar mais em alternativos, afastando-se das ações. Inicialmente, investiram em infraestrutura e, com o tempo, expandiram para outras categorias, obtendo bons resultados.
Renato Sepúlveda, CIO do Consorcio, enfatizou a importância de educar diretorias e acionistas sobre a curva J de alguns alternativos, como private equity. “É preciso projetar para cinco anos ou mais,” além de deixar margem para lidar com a imprevisibilidade dos chamados de capital.
Na colombiana Global Seguros, os chamados se aceleraram nos últimos anos, disse Gustavo Morales, CIO da empresa, que destacou a importância de manter liquidez na carteira e administrar o risco cambial entre passivos em moeda local e ativos em dólares.
As necessidades das fortunas familiares
No mundo das fortunas familiares, a dinâmica de compra de ativos alternativos por parte de single-family offices e multi-family offices é objeto de interesse para LPs e GPs. Por isso, não surpreende que o salão de conferências estivesse cheio quando representantes de SFO e MFO do Chile, Brasil, Costa Rica e Peru tomaram seus lugares.
Sebastián Piñera, gerente geral da Odisea, destacou a importância do outreach e da proximidade com os gestores, apresentando-se como uma contraparte séria e confiável. “Tem sido muito importante ser proativos”, em sua experiência, participando de reuniões e estudando os materiais. Além disso, acrescentou que é importante contar com uma assessoria com perspectiva global para a gestão de ativos.
Por sua vez, Patricio Leighton, CEO do family office Stars Investments, enfatizou que a instituição que lidera tem um foco relevante em ativos reais. Nesse sentido, identificou como “chave” o programa de investimento: “Não é algo que se monta em um ano”, enfatizou, já que há anos – ou vintages – que têm resultados piores. A ideia, recalcou, é ter um bom programa de investimento em alternativos e segui-lo ano após ano, independentemente das oscilações.
Na experiência da Cuestamoros, um dos principais family offices da Costa Rica, uma variável relevante tem sido se aproximar dos gestores corretos, especialmente separados pela geografia. “É preciso ter uma conversa sobre como chegar a esses assessores”, narrou Raquel Fernández, gerente de investimentos da firma. Nesse sentido, explicou que a Cuestamoroso destina 15% para gestores emergentes e que é necessário fazer um exercício de “pesca artesanal”, já que “a pesca de arrasto não serve mais”.
No segmento de multi-family offices, a dinâmica é um pouco distinta, mas a lógica de soluções ajustadas à família do patrimônio se mantém, segundo Mauro Bergstein, gerente de investimentos do MFO brasileiro Mercury. “Não há nada mais importante do que conhecer a família”, indicou, acrescentando que em momentos de complicações macroeconômicas é preciso “pegar na mão deles”, mostrar calma e disciplina como investidores e guardar um pouco de caixa para aproveitar oportunidades.
Do MFO peruano Allié Family Office, o CIO José Larrabure acrescentou à discussão o tema da alocação de capital, ressaltando a importância de modelar os fluxos do portfólio e seu equilíbrio entre vencimentos e estratégias evergreen, o que torna essa alocação mais eficiente. Além disso, como os montantes dos MFO tendem a ser menores que os SFO, soluções como os semi-líquidos podem ajudar na gestão da carteira.
Os bancos privados estão atentos
Um espaço que se abriu caminho no leque de demanda dos ativos alternativos é o das bancas privadas e gestores patrimoniais, que agrupam diferentes níveis de patrimônios individuais. Nesse setor, preocupações como a liquidez se tornam ainda mais relevantes, mas as oportunidades também estão presentes, segundo relatos de atores latino-americanos.
Segundo Gabriela Gurovich, CEO da Banchile Inversiones, os mercados privados também fazem sentido para carteiras de indivíduos HNW. Enquanto os clientes do segmento têm olhado mais para a classe de ativos com as taxas caindo, o evergreen é um veículo que poderia ajudar esse tipo de investidor, segundo a executiva. Embora as taxas sejam mais altas, a maior diversificação, liquidez e a ausência de uma curva J jogam a favor do indivíduo de alto patrimônio.
“O principal desafio é educar o cliente e fazê-lo pensar como um endowment”, comentou Leonardo Martins, CIO da brasileira Turim. Em seu caso, eles classificam os clientes de acordo com seu perfil de risco, com todos os segmentos investindo em alternativos, mas em diferentes estratégias e em diferentes proporções. Nesse sentido, acrescentou que vão alocando o capital gradualmente, para que os investidores se acclimatem à investimento em alternativos.
A Portofino, também paulista, enfatiza o desafio de competir com as altas taxas no Brasil. “A primeira coisa é convencer os clientes dos benefícios”, indicou o gerente de investimentos da firma, Eduardo Castro, apoiando estratégias mais próximas e fáceis de entender, como os ativos imobiliários. Assim, acrescentou, é relevante “tangibilizar” os investimentos para os clientes.
Ecoando a experiência no Peru, o CIO da Vicctus – MFO do grupo Credicorp – Roberto Melzi, ressaltou que o importante, acrescentou, é investir “de forma sistemática, programática”. Isso se torna um fator diferenciador que aproxima o segmento de wealth management da dinâmica do institucional, estabelecendo uma política de investimento para o portfólio.
A adesão ao plano é algo em que os profissionais concordaram. “Se você não pode ter um processo disciplinado, não deveria ter” esse tipo de investimentos, enfatizou Ignacio Arróspide, CIO da peruana Creuza. De qualquer forma, para os interessados em participar, as portas estão cada vez mais abertas. “Há uma tendência clara de que essas estratégias terminem em agregadores de fundos”, disse.
A perspectiva dos reguladores
O superintendente de Pensões do Chile, Osvaldo Macías, apresentou um panorama sobre a regulação e o investimento dos fundos de pensão chilenos em ativos alternativos, destacando que 90% desses investimentos estão direcionados a veículos no exterior. Ele ressaltou que o ponto-chave são os retornos, especialmente considerando a queda gradual nos rendimentos dos fundos previdenciários ao longo dos anos, o que tem impactado as pensões.
Segundo Macías, a experiência com esse mercado tem sido promissora, o que levou a aumentos nos limites de investimento em ativos alternativos para esses fundos. “As TIR têm sido bastante boas”, destacou em sua apresentação, acrescentando que “até agora, o que se vê em investimentos alternativos é bastante positivo”.
Mais adiante, foi a vez de Solange Berstein, presidente da CMF (Comissão do Mercado Financeiro), que ancorou sua apresentação sobre o crescimento dos investimentos alternativos no Chile na evolução dos fundos de investimento. De acordo com ela, entre 2011 e 2024, os ativos privados triplicaram sua participação no mercado, mostrando uma resiliência maior em comparação com as estratégias de ativos tradicionais.
“Os ativos alternativos são uma classe de ativos que certamente contribui para o desenvolvimento, quando os riscos são mitigados”, afirmou Berstein, destacando que a CMF está acompanhando de perto a tendência de fundos mútuos – mais líquidos – que investem em cotas de fundos alternativos.
O aniversário da Picton
Ao término das duas jornadas de apresentações de LPs e GPs, o ponto alto do Latam Summit foi o décimo segundo seminário de aniversário da Picton, realizado em conjunto com o jornal local El Mercurio. Após um breve intercâmbio entre os participantes – que incluía figuras notáveis do empresariado e da política local – os convidados participaram de um almoço com o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson.
Após uma introdução do ministro da Fazenda do Chile, Mario Marcel, que destacou as realizações econômicas do Reino Unido e de seu ex-primeiro-ministro Winston Churchill, tema do último livro de Johnson, os organizadores homenagearam o falecido ex-presidente chileno Sebastián Piñera, com a presença de sua esposa, Cecilia Morel, e sua filha Magdalena.
Seguindo o exemplo de outros líderes internacionais presentes em edições anteriores – como o argentino Mauricio Macri e o britânico David Cameron – Johnson compartilhou sua visão sobre a dinâmica política atual. Em seu discurso, ele alertou sobre o pessimismo predominante e o conflito que enxerga entre democracias liberais e “autocracias”.
O ex-premiê também criticou fortemente a campanha militar da Rússia na Ucrânia e o ataque a Israel pelo Hamas, fazendo um apelo à defesa dos valores liberais que “permitiram o desenvolvimento” em diversas partes do mundo.
A vitrine de reconhecidos GPs
A conferência da Picton não apenas trouxe a perspectiva de investidores de diferentes perfis, mas também serviu como uma vitrine para que algumas das principais casas de investimentos em ativos alternativos do mundo apresentassem suas visões. Em uma série de mesas-redondas especializadas por classe de ativo, os representantes desses GPs delinearam as principais tendências em private equity, dívida privada, mercado imobiliário e infraestrutura.
O capital privado foi o tema mais explorado, com quatro painéis. O primeiro, focado em private equity na América do Norte, contou com Ted Oberwager, Partner de Private Equity North America da KKR; John Flynn, Partner da TPG Capital; e Prashant Mehrotra, Partner da Clearlake. Já o painel dedicado ao private equity europeu teve Marcus Brennecke, Institutional Partner e Chairman da EQT; Chris Pell, Principal da Permira Equity; e Fabian Wasmus, Partner da Vitruvian Partners.
As estratégias de mid-market tiveram seu próprio espaço, com apresentações de Rafael Cofiño, Managing Director da Great Hill Partners; Frank Leverro, co-CEO da Kelso; Rich Caputo, Chairman & Chief Executive Partner da TJC; Aaron Sack, Managing Director e Head of Capital Partners da Morgan Stanley; e Bill Chisholm, Managing Partner e CIO da STG.
A última sessão do primeiro dia foi dedicada ao venture capital, com perspectivas de Matthew Brush, Managing Director da DST; Marc Bhargava, Managing Director da General Catalyst; e Alejandro Tocigi, Partner da Kayyak.
A dívida privada foi abordada em dois painéis, iniciando as discussões do segundo dia. Após uma conversa entre Kipp deVeer, Partner e Global Head of Credit da Ares, e Patricio Parodi, presidente da chilena Consorcio, vários GPs discutiram oportunidades nesse setor.
De um lado, Mark Bickerstaffe, Managing Director de Private Credit da Hayfin; Mark Liggit, Partner do Ares Credit Group; Sean Sullivan, Managing Director e Head of Direct Lending Origination da Morgan Stanley; Eric Muller, portfolio manager e Partner de Private Credit da Oak Hill Advisors; e George Muller, Partner da KKR Credit, falaram sobre crédito direto. Do outro, Kevin Lydon, Managing Director da Strategic Value Partners; Mike Ginnings, Managing Director de Credit Solutions da TPG; Richard J. Grissinger, Senior Managing Director of Credit da Centerbridge; Aaron Rosen, Partner do Ares Credit Group; e Beat Cabiallavetta, Managing Director e Global Head of Hybrid Capital Investing in Private Credit do Goldman Sachs, discutiram as dinâmicas do crédito oportunístico.
No setor de infraestrutura, cinco representantes de gestoras internacionais abordaram a “oportunidade da década” nesta classe de ativos. O painel contou com Alex Darden, Head de EQT Infrastructure; Cecilio Velasco, Managing Director de KKR Infrastructure; Karl Kuchel, CEO de Infrastructure da Macquarie; Markus Hottenrott, Managing Director de Infrastructure da Morgan Stanley; e Philippe Camu, Chairman e co-CIO de Infrastructure do Goldman Sachs.
Por fim, o ciclo de categorias terminou com o mercado imobiliário, em um painel voltado a examinar as tendências e o novo equilíbrio nesse setor. Os painelistas foram David Selznick, CIO de Real Estate da Kayne Anderson; Paul Rubincam, Partner e European Head of Real Estate da EQT Exeter; Avi Banyasz, Partner de Real Estate da TPG; e Mark Schwarts, Executive Managing Director e Head of Gaming Investments da Sculptor.