“O consumidor de luxo é o último a entrar e o primeiro a sair em momentos de volatilidade.” Na opinião de Flavio Cereda, gestor da GAM, essa reflexão de Mark Metrick, CEO da Sacks, captura a essência e as peculiaridades da indústria do luxo. Segundo sua experiência como gestor da estratégia GAM Luxury Brands, trata-se de um mercado jovem, com apenas 30 anos de história, e com capacidade para crescer a um ritmo sustentável de entre 6% e 7% ao ano.
“Nestes últimos 30 anos, esse mercado cresceu de forma considerável e teve um comportamento muito atraente. Entre 2020 e 2023, cresceu a uma média de 20%, algo excepcional que se explica pela sua reativação após a etapa da pandemia global da COVID. Essa recuperação acentuada desses últimos três anos também explica que os números deixados por 2024 sejam menores”, ressalta Cereda.
Apesar dessa moderação no ritmo de crescimento, o gestor sustenta que este mercado continuará crescendo graças a duas tendências-chave. Por um lado, o mercado de luxo mudou drasticamente, destacando-se o auge da Ásia e o declínio da Europa. Por outro lado, Cereda alerta que as marcas de luxo estão experimentando um efeito de polarização, onde as marcas mais fortes e mais fracas estão se movendo em direções opostas.
China, Europa e EUA
Focando na primeira dessas tendências, o gestor afirma que a Ásia se tornou o principal catalisador do consumo de luxo nos últimos anos, especificamente desde 2017. “Antes, o grande consumo vinha dos Estados Unidos e da Europa, mas nessas regiões o luxo se tornou algo realmente exclusivo. Em contrapartida, todo o foco está agora na China, mas atenção, essa não é uma ‘história’ sobre a China, e sim sobre o consumidor chinês, que são coisas diferentes. Antes da pandemia, o consumo vinha dos cidadãos chineses, mas realizado fora de seu país; principalmente por suas compras na Europa e nos Estados Unidos. Essa preferência por comprar luxo fora de seu país se explica por vários motivos: primeiro, tem mais relevância e posicionamento social dizer que o produto foi comprado fora; em segundo lugar, o preço, que podia variar até 60%; e, por último, fora da China, eles podiam acessar produtos diferentes”, comenta Cereda.
Antes da pandemia de 2019, estimava-se que 70% do consumo de luxo dos chineses vinha de fora da China, enquanto apenas 30% vinha de dentro do país. Continuando com sua explicação, o gestor aponta que, após a COVID, isso mudou e as grandes marcas passaram a apostar em igualar preços, produtos e atendimento ao cliente nas regiões asiáticas. “Após a pandemia, as marcas reagiram e realizaram mudanças substanciais. Por exemplo, abriram lojas emblemáticas na China, trouxeram produtos mais exclusivos e começaram a ter mais presença na região asiática, que era por onde estavam viajando. Agora, a proporção mudou e 30% do consumo de luxo chinês vem do exterior e 70% vem da própria China”, acrescenta.
Sobre os consumidores tradicionais, os cidadãos americanos e europeus, o gestor da GAM explica que, para os primeiros, o principal catalisador é a moeda: “ter um dólar forte”. Em relação à Europa, ele aponta: “Foi uma geografia muito relevante em termos de consumo, mas pelo peso dos consumidores chineses. Em contrapartida, o consumidor europeu é menos relevante. Enquanto o consumo de luxo na Europa cai devido à ausência do consumidor chinês, vemos uma nova tendência a favor do consumo local, impulsionado por marcas e consumidores locais”.
Quem e o que compra
Mas, afinal, qual é o perfil de todos esses consumidores que investem em luxo? De acordo com a experiência de Cereda, 32% correspondem a um perfil UHNWI (Ultra High Net Worth Individuals), 30% a VHNWI (Very High Net Worth Individuals), 26% a HNWI (High Net Worth Individuals) e 12% a indivíduos de classe média. “Justamente esses últimos, a classe média, que precisa fazer um esforço para poder comprar um bem desse tipo, é agora um dos motores de crescimento do setor de luxo. Esse perfil é o que está caindo, cerca de 4%, e é isso que explica que, em 2024, o crescimento do setor será menor”, explica o gestor da GAM. Além disso, segundo sua experiência, ele calcula que 47% do consumo seja destinado a bens pessoais de luxo e 20% a experiências, enquanto 9% vão para carros e 8% para comida e bebidas. O gestor observa que o segmento que mais cresce atualmente é o de experiências de luxo.
Por fim, para Cereda, outra grande peculiaridade desse setor é a necessidade de distinguir entre marcas de consumo massivo e marcas de luxo, já que muitas das primeiras tentam se posicionar no grupo das últimas. “As empresas de luxo puro têm características únicas, como, por exemplo, controlam a oferta dos produtos, têm capacidade para definir o preço, conseguem margens elevadas graças à demanda constante e evitam fazer promoções ou ter lojas de venda de saldos”, explica. Nesse sentido, ele aponta que um bom exemplo de empresa é a Ferrari. “Eu diria que, para mim, a Ferrari é a melhor marca. Para seus compradores, nada importa, o que importa é que seu consumo é fiel”, conclui.