Com a taxa Selic nas alturas e as Notas do Tesouro Nacional tipo B pagando inflação mas um prêmio que está batendo quase 7% ao ano —caso da última terça-feira (29), com dois vencimentos apresentando taxas maiores que 6,80% no leilão—os fundos de pensão têm migrado em massa seus recursos para esses ativos, numa oportunidade fácil para bater suas metas atuariais, mas ao mesmo tempo equivocada, na opinião de Everaldo Guedes, CEO da consultoria PPS Portfolio Performance, focada no atendimento desses investidores.
Em conversa com a Funds Society, o executivo afirma que o maior desafio das EFPCs (Entidades Fechadas de Previdência Complementar) atualmente é “se libertar do CDI”.
Segundo dados da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), o percentual de alocação dos fundos de pensão em renda fixa é o maior da série histórica, com uma média de 81,4% dos recursos nesse tipo de investimento.
“Os fundos de pensão não podem esquecer que o plano de previdência é um negócio para o médio e longo prazo, e o CDI é uma taxa de curto prazo. Então, ok, o CDI hoje paga uma taxa de juros real super alta, mas você não sabe até quando isso vai durar”, diz Guedes, que atua na consultoria de fundos de pensão desde 1996, e hoje atende por volta de 80 entidades.
“Pode durar mais dois anos, ok. Mas eu não posso colocar todo o meu dinheiro em CDI. No dia que ele não pagar mais o juro real que eu preciso, eu olho para o lado e me pergunto: o que eu compro agora? Eu não compro mais nada, porque tudo já ficou mais caro.”
Ele aponta que o uso de NTN-B faz sentido, mas dentro de parâmetros mais adequados. “São movimentos que você vai fazendo aos poucos. É como pilotar um transatlântico, não uma lancha”, afirma. Segundo o CEO da PPS, as entidades não devem vender ou comprar tudo de uma vez, o que, de acordo com o executivo, tem ocorrido bastante no setor.
“Por medo da volatilidade da ‘B longa’, os dirigentes acabam indo para o CDI. E tudo bem aumentar momentaneamente a alocação em CDI, mas é preciso ficar atento para começar a reduzir antes de uma reversão no mercado.”
Tendências de curto prazo; receio dos participantes
Guedes também critica uma tendência de investimento ‘curto prazista’ que tem visto sobre esses ativos, o que seria um reflexo de temores dos dirigentes dos fundos sobre a volatilidade apresentada pela marcação a mercado.
“Eles compram menos NTN-B de longo prazo, que venceria em 2050, por exemplo, o que seria ótimo, porque garantiria um rendimento real de IPCA mais 6,6%. Mas o problema é que, se a taxa de juros subir para 7%, a marcação, a mercado cai, e os participantes ficam furiosos, porque não entendem que renda fixa também tem volatilidade”, afirma.
Segundo o executivo, os fundos têm uma parcela de culpa dessa cobrança. “Quem está no fundo de pensão está gerenciando para o longo prazo, mas é cobrado no curto prazo. Esse é um grande problema que temos”. De acordo com Guedes, os fundos de pensão devem oferecer educação previdenciária para os participantes. “Eles deveriam fazer webinars, seminários, de todo tipo, para explicar para os participantes que não se deve cobrar retorno todo mês”, diz.
“Investimento no exterior deveria chegar ao limite, que pode ser de 20%”
“O investimento internacional, na minha opinião, é uma obrigação, dentro dos limites permitidos”, diz Guedes. Com atualmente cerca de 1% de alocação média entre as fundações, os investimentos em ativos no exterior são uma exceção nos portfólios de EFPCs, o que o CEO considera um grande erro.
Guedes diz que os fundos de pensão deveriam alocar até o limite —o que pode chegar a 20%. “Temos 10% de teto no segmento internacional, mas outros 10% de BDRs de ETFs, que são classificados como domésticos”, diz Guedes.
“Se você olha para o Canadá, por exemplo, que tem uma economia mais estável e um mercado de capitais maior, os fundos de pensão de lá investem 70% da renda variável no exterior. Por que nós, brasileiros, investiríamos apenas 5% em ações no exterior e 95% em ações brasileiros?”, indaga.
Ele usa como exemplo investimentos no S&P 500, principal indicador da bolsa americana. “Há um ano diziam que a bolsa estava cara. Quando de resultado você teria se tivesse entrado há um ano na bolsa? Em 2010 também diziam que estava cara. Qual seria o resultado, se tivesse aportado em 2010?”, indaga. Desde 2010, o índice registrou alta de 410%.
“Alguém pode dizer: ‘A bolsa americana está cara.’ Já ouvi isso há um ano, há dois anos, há cinco anos, e ela continua em alta. Não quer dizer que não vá cair no ano que vem, mas quando você olha para o longo prazo, que é o que nos interessa, ela vai dar o retorno que queremos. Precisamos estar o máximo possível nesses ativos”, afirma o CEO.
Aporte no exterior não é especulação sobre o dólar
O consultor também afirma que sempre ouve queixas sobre a moeda americana. “Ah, o dólar está caro, e se o dólar cair?” Isso não é especulação com o dólar, é uma diversificação permanente de portfólio para expandir a fronteira eficiente”, coloca.
Ele afirma que o investidor que quiser especular com o dólar, deve contratar um especialista no setor e montar um fundo exclusivo. Mas ressalta: “Gosto muito da frase famosa do Edmar Bacha [economista, um dos pais do Plano Real] que diz: ‘O câmbio foi criado por Deus para humilhar os economistas, ninguém sabe para onde vai.’ E é verdade, exceto em ocasiões muito específicas.”, afirma.
Mas a resposta era sempre: “Ah, não, porque a bolsa dos Estados Unidos está cara em 2010.” Se você olhar o que a bolsa de lá rendeu nesses 13 anos, é de cair o queixo! E ainda ouvi mais: “Ah, o dólar está caro, e se o dólar cair?” Isso não é especulação com o dólar, é uma diversificação permanente de portfólio para expandir a fronteira eficiente. Você quer especular? Então quer especular com o dólar? Contrata um especialista em especular com cambio, monta um fundo exclusivo.
“Se você acha que o dólar pode cair, faz o hedge, mas não resgata o investimento internacional por causa disso. Isso é um absurdo, porque o investimento internacional é uma diversificação permanente do portfólio, e não uma especulação cambial”, afirma.
Ativos ilíquidos não são aproveitados
O CEO da PPS também critica outro comportamento dos fundos de pensão brasileiros: a falta de aportes no longo prazo, o que seria totalmente compatível com as fundações.
“Se existe hoje um investidor vocacionado para se beneficiar desses prêmios por iliquidez, que existem nesses ativos menos líquidos como FIPs, por exemplo, esse investidor é o fundo de previdência”, afirma, colocando que as fundações não precisam do dinheiro “todo líquido” na semana seguinte e podem alocar de 5% a 10% do patrimônio em ativos de prazo mais longo e com menor liquidez, “gerando, assim, um retorno maior”.
Ele diz que falta de diversificação nos investimentos dessas entidades. “Um fundo de pensão, pela sua característica, precisa ter investimentos diversificados, como ações e FIPs. E isso está no guia de melhores práticas da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar).