A dívida oculta é um tipo de endividamento pelo qual um governo é responsável, mas que não é revelado aos seus cidadãos nem a outros credores. Assim afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI), em um documento elaborado por seus economistas Alissa Ashcroft, Karla Vasquez e Rhoda Weeks-Brown.
Embora essa dívida, por sua natureza, muitas vezes permaneça fora do balanço oficial do governo, ela é muito real e, segundo algumas estimativas, alcança o trilhão de dólares em nível mundial.
Para que os esforços para abordar a dívida pública mundial recorde sejam abrangentes, é essencial um exame profundo das fracas leis de divulgação.
Embora essas obrigações não divulgadas não tenham comparação com a dívida pública mundial, que ultrapassa os 91 trilhões de dólares, representam uma ameaça crescente para os países de baixa renda, que já estão muito endividados e com necessidades anuais de refinanciamento que se triplicaram nos últimos anos.
O problema é ainda mais urgente em meio a taxas de juros mais altas e um crescimento econômico mais fraco. A responsabilidade também está em risco sem informações precisas sobre a extensão do endividamento, o que aumenta o risco de corrupção.
Essas consequências potencialmente nefastas podem ser evitadas fortalecendo os quadros jurídicos nacionais.
O documento do FMI, denominado “Os fundamentos legais da transparência da dívida pública: alinhar a lei com as boas práticas”, apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em 60 países, que examinou as vulnerabilidades e lacunas nas leis nacionais que traz obstáculos à transparência.
Baseando-se em um artigo de julho de 2023, esta nova pesquisa mostra que menos da metade dos países pesquisados têm leis que exigem gestão da dívida e relatórios fiscais, enquanto menos de um quarto exige a divulgação de informações ao nível dos empréstimos, características legais chave para facilitar a transparência.
Também foram identificadas quatro vulnerabilidades notáveis nas leis nacionais que permitem ocultar a dívida: uma definição estreita de dívida pública, requisitos legais inadequados para a divulgação, cláusulas de confidencialidade nos contratos de dívida pública e uma supervisão ineficaz.
Definir a dívida oculta
Em muitos países, uma definição estrita de dívida pública, contida em uma ou várias leis, permite que algumas formas de dívida soberana escapem à supervisão.
O FMI recomenda que a definição de dívida pública seja ampla e abrangente, o que significa que deve incluir atrasos, derivativos e swaps, crédito de fornecedores e assunção de garantias, bem como empréstimos e títulos.
A definição também deveria abranger os fundos extrapresupuestários (de fora do orçamento), os fundos fiduciários públicos (fundos de pensão, por exemplo) e os veículos com fins especiais.
Um bom exemplo se encontra no Equador, que implementou uma reforma legal em 2020 para garantir que os instrumentos financeiros de curto prazo, como títulos ou títulos do tesouro com prazos inferiores a um ano, sejam incluídos nos cálculos e estatísticas da dívida.
Outros bons exemplos incluem as definições legais utilizadas em Gana, Jamaica, Ruanda, Tailândia e Vietnã, todas as quais abrangem múltiplos tipos de instrumentos de dívida.
A confidencialidade nos contratos de dívida pública dificulta diretamente a transparência.
Em todo o mundo, poucas leis regulam (e limitam) a confidencialidade da dívida pública, o que concede aos responsáveis pelas políticas uma ampla discricionariedade para etiquetar esses contratos como confidenciais por razões de segurança nacional ou outras razões.
Isso é exacerbado pelo fato de que as normas e diretrizes internacionais atuais relacionadas com a dívida oferecem orientação limitada sobre como abordar as questões de confidencialidade.
Os analistas do FMI defendem que a lei defina estritamente as exceções à divulgação e o alcance dos acordos de confidencialidade.
A supervisão legislativa e outros mecanismos de salvaguarda, como os recursos administrativos ou judiciais, também deveriam ser detalhados nas disposições legais aplicáveis.
As leis do Japão, Moldávia e Polônia estão entre as poucas que autorizam a supervisão legislativa ou parlamentar da informação confidencial.
A divulgação da dívida pública também pode ser inibida quando existe uma governança de supervisão ineficaz por parte das legislaturas e das instituições fiscalizadoras superiores (instituições nacionais de auditoria governamental), que são todos eles importantes garantidores da responsabilidade.
Os órgãos legislativos devem poder monitorar e escrutinar a dívida pública em nome do povo, e precisam contar com pessoal capaz de ler e compreender relatórios altamente técnicos.
Várias legislaturas têm um sistema de comitês (como comitês de orçamento e contas públicas) que permite a especialização entre os legisladores.
Um exemplo é o dos Estados Unidos, onde a lei exige que o Secretário do Tesouro envie o relatório anual sobre a dívida pública não ao Congresso em seu conjunto, mas a dois comitês específicos: o de Meios e Arbitrios da Câmara e o de Finanças do Senado.
Também o FMI recomenda que as leis concedam às entidades fiscalizadoras superiores a autoridade e os poderes necessários para monitorar e auditar a dívida pública e as operações de dívida.
Papel do FMI
A transparência da dívida não só beneficia diretamente os países, mas também é essencial para o trabalho do FMI.
As formas de dívida oculta e por demais opacas dificultam que o Fundo cumpra seu mandato central de várias maneiras.
Por exemplo, os empréstimos garantidos, as formas novas e complexas de financiamento e os acordos de confidencialidade dificultam que o FMI avalie com precisão a dívida de um país e ajude a que sua economia volte a encarrilhar.
Portanto, o Fundo trabalha para levar os benefícios da transparência da dívida aos países diretamente através de assistência técnica e também aborda o tema em compromissos programáticos.
As leis bem desenhadas tornam mais difícil ocultar a dívida. Mas não há leis suficientes desse tipo nos livros, apesar de seus benefícios demonstrados.
Dada a importância crítica de alcançar uma transparência adequada, os países e seus parceiros internacionais devem impulsionar reformas para melhorar os quadros legais internos, o que por sua vez beneficia tanto os tomadores de empréstimos quanto os credores legítimos e o sistema em geral.