Como manda a imprevisibilidade destes tempos, as eleições americanas tiveram o desfecho que quase ninguém esperava: uma vitória clara para um partido e um presidente eleito dentro de 24 horas da votação. A bolsa americana e o bitcoin dispararam, enquanto as bolsas latino-americanas e o preço do ouro caíram.
O republicano Donald Trump será presidente dos Estados Unidos pela segunda vez. Para o novo mandato, analistas esperam cortes de impostos (de acordo com a promessa de campanha), aumento do déficit público (como consequência disso), um provável aumento da inflação, alta das taxas de juros e, caso se concretizem os aumentos tarifários defendidos pelo empresário, um protecionismo ainda maior.
Na América Latina, o principal impacto da vitória de Trump seria uma valorização do dólar e a consequente desvalorização das moedas locais.
México, o país que poderia ser o mais prejudicado
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, parabenizou o presidente eleito dos Estados Unidos e enviou uma mensagem tranquilizadora a seus compatriotas: “Não há motivo para preocupação… haverá uma boa relação”.
A Bolsa Mexicana de Valores (BMV), que havia iniciado o dia com uma forte queda de 2,65%, rompendo o suporte de 50.000 pontos, se recuperou e já na tarde cotava próximo ao fechamento anterior (recuando 0,03%, situando-se em 50.816 pontos); enquanto isso, o peso mexicano estava em 20,25 unidades por dólar. Segundo analistas, a recuperação dos mercados mexicanos se deve, em parte, ao impulso de Wall Street. Durante a campanha, Trump prometeu impor tarifas entre 25% e 100% para pressionar o governo do México a conter o fluxo migratório e de drogas pela fronteira. “Se essa ameaça se concretizar, afetaria severamente as exportações do México, o investimento no país, a criação de empregos e o crescimento econômico”, disse Gabriela Siller Pagaza, diretora de análise do Banco Base em um relatório matinal para clientes. “No entanto, é importante lembrar que Trump nem sempre cumpre suas ameaças, e o mercado já sabe disso, o que explica por que a desvalorização do peso um dia após as eleições (2,59%) é menor do que a observada quando ele venceu pela primeira vez (8,30%) em 2016. Ou seja, o mercado vê riscos, mas considera que essas ameaças fazem parte de sua estratégia de negociação e não necessariamente serão cumpridas ao pé da letra”, comentou a especialista.
Milei, exultante
O presidente argentino, Javier Milei, sempre foi direto em seu apoio a Trump e demonstrou satisfação pela vitória do republicano. A Argentina está fora do sistema financeiro internacional, e as consequências da mudança eleitoral podem incluir uma maior abertura do Fundo Monetário Internacional nas negociações sobre a dívida que estão em andamento.
“Para a Argentina, o impacto imediato deve ser marginal, pois a política do governo permanecerá inalterada. Os preços dos títulos em dólares devem ser afetados parcialmente pelo mercado de alto rendimento (high-yield), onde devemos ver uma pressão de baixa, mas favorecidos pela opinião de que os títulos podem ser um ‘Trump trade’. Uma moeda mais fraca e preços mais baixos das commodities são um leve fator negativo, mas o impacto até agora tem sido leve, e para os títulos deverá ser mais do que neutralizado pela afinidade de Milei com o presidente eleito Trump, o que pode ser útil em futuras negociações com o FMI, aumentando as chances de um apoio maior”, afirma Max Capital em sua análise diária.
Javier Timerman, sócio-gerente do Grupo Financeiro Adcap, comentou que “as políticas de Donald Trump não são favoráveis para a Argentina porque focam no protecionismo, na redução de impostos e no aumento do déficit fiscal, o que trará taxas mais altas, pois o Federal Reserve será muito mais restritivo quanto à possibilidade de superaquecimento da economia e retorno da inflação. Em um cenário de altas taxas e protecionismo, veremos um aumento do dólar globalmente, queda nas commodities devido à alta do dólar, o que afetará a Argentina”.
“Por outro lado, pode-se dizer que a relação Trump-Milei pode destravar algum tipo de desembolso, mas também é preciso considerar que os EUA contribuirão menos para o multilateralismo e, certamente, os organismos multilaterais dos quais a Argentina precisa de financiamento ficarão com menos recursos”, acrescentou Timerman.
No Brasil, o Ibovespa cai e o Google testa os nervos do país
A reeleição de Donald Trump provocou uma queda imediata de 1,3% no Ibovespa, principal índice da bolsa de valores do Brasil, embora na tarde de quarta-feira as perdas tenham sido moderadas para 0,24%.
Apesar da reação inicial no mercado de ações, o dólar caiu 1,26%, alcançando 5,67 reais. No entanto, muitos brasileiros foram enganados por uma cotação incorreta no Google, que mostrava o dólar a 6,19 reais.
Esse câmbio teria sido um recorde histórico, se não fosse por um detalhe: o Google, que usa dados da Morningstar, exibiu uma taxa incorreta durante várias horas antes de interromper a cotação.
A empresa de tecnologia informou mais tarde que a causa do erro era desconhecida.
Impacto nos títulos de longo prazo do Tesouro
A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas gerou impacto imediato no mercado de títulos públicos de longo prazo no Brasil, com destaque para os papéis indexados à inflação. Segundo dados do IMA até o meio-dia de hoje, o índice IMA-B 5+, que representa os títulos atrelados ao IPCA com vencimento superior a cinco anos, registrou uma queda de 0,31%, enquanto os prefixados com prazo acima de um ano, refletidos no IRF-M 1+, recuaram 0,18%.
Marcelo Cidade, economista da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), explicou que, além dos desafios internos, “os indicadores refletem a preocupação do mercado com as propostas de campanha de Trump em relação às tarifas comerciais.” Caso essas medidas se concretizem, Cidade alerta para o risco de “maior inflação global e, consequentemente, juros mais altos em mercados emergentes, como o Brasil.”
Os papéis de curto prazo, no entanto, mostraram maior resiliência: os prefixados de até um ano subiram 0,02%, e os títulos indexados ao IPCA com vencimento até cinco anos caíram apenas 0,09% em relação ao dia anterior.
Notas gerais observando os mercados
Nesta quarta-feira, o Dow Jones teve sua maior alta em dois anos, refletindo o entusiasmo tanto pela vitória de Trump quanto pela rápida resolução da disputa eleitoral.
Uma das primeiras reações nos mercados foi a queda do ouro, o ativo que vinha dominando os ganhos globais em 2024: “O ouro caiu acentuadamente após a vitória de Trump nos Estados Unidos, o que fez o dólar disparar. Lembremos que o dólar e o ouro normalmente têm uma correlação inversa, o que pressionou o ouro. Ao mesmo tempo, a incerteza política se ameniza um pouco ao se saber quem será o próximo presidente dos Estados Unidos, e isso contribui para que o metal precioso perca seu apelo como ativo de refúgio”, observou Alexander Londoño, analista de mercados da ActivTrades.
Máximos para o Bitcoin: “Enquanto os resultados preliminares indicavam Donald Trump como vencedor das eleições presidenciais dos Estados Unidos na madrugada de 5 de novembro, o bitcoin, a principal referência do mercado cripto global, atingiu um novo preço máximo histórico, superando os 75.350 dólares”, segundo a empresa Bitso.
Segundo o New York Times, as empresas do setor cripto apoiaram Trump com cerca de 130 milhões de dólares em doações de campanha: “It paid”, diz o jornal.
Um dos ganhadores do dia eleitoral foi Elon Musk, um dos maiores apoiadores de Donald Trump. Na quarta-feira, as ações da Tesla dispararam, subindo até 15%.