Chegou o dia, acabaram as especulações. Em uma surpresa para o mercado, o governo argentino anunciou que na segunda-feira, 14 de abril, será encerrado o controle cambial. O país implementará um novo regime de flutuação administrada, com uma banda que oscilará entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar, com ampliação mensal de 1%.
A intervenção sobre o dólar oficial ocorrerá apenas se a cotação ultrapassar esses limites. Na prática, significa que o peso poderá se desvalorizar até cerca de 30% sem intervenção estatal, caso o dólar atinja o teto da banda de 1.400 pesos. Na sexta-feira, 11 de abril, o dólar oficial fechou próximo dos 1.100 pesos.
Devido às restrições, a Argentina possui diferentes tipos de dólar. Por um lado, há o dólar paralelo, ilegal ou “blue”, cuja cotação vinha subindo nas últimas semanas. Na sexta-feira, 11 de abril, fechou em torno de 1.370 pesos, ampliando a “brecha” em relação ao dólar oficial para quase 30%. Também existem os dólares financeiros MEP e CCL (Contado com Liquidação), que são legais e envolvem a compra e venda de títulos argentinos. Na mesma data, ambos estavam cotados perto do dólar informal: cerca de 1.350 pesos.
Uma história antiga
Há muitos anos a Argentina controla o câmbio. O chamado “cepo cambial” foi imposto durante o governo de Cristina Fernández de Kirchner, em outubro de 2011. Embora seu adversário ideológico, o ex-presidente Mauricio Macri, o tenha suspenso, a medida durou pouco: ele teve que restabelecê-la em setembro de 2019. Seu sucessor, Alberto Fernández, restringiu ainda mais o acesso ao dólar, com normas que atingiram cada vez mais empresas e indivíduos.
Durante o fim de semana, o chamado “dólar cripto” — que é negociado 24 horas por dia — foi, em certa medida, o termômetro do mercado antes da abertura de segunda-feira, com uma cotação em torno de 1.330 pesos. O valor ficou perto do teto da nova banda cambial, antecipando a volatilidade que muitos economistas preveem para o início do dia.
O presidente Javier Milei falou em rede nacional na noite de sexta-feira, acompanhado de todo o seu Gabinete. Em uma mensagem gravada previamente, anunciou que o controle cambial será “eliminado para sempre”, que a Argentina receberá, no total, 32 bilhões de dólares, e que as reservas do Banco Central chegarão a 50 bilhões.
“Com este nível de reservas, podemos respaldar todos os pesos existentes na nossa economia, oferecendo maior segurança monetária aos nossos cidadãos”, afirmou.
Na parte da tarde, o ministro da Economia, Luis Caputo, deu uma coletiva de imprensa após o Banco Central antecipar a fase 3 do programa econômico: o tão esperado fim do controle cambial.
As medidas foram anunciadas após o fechamento dos mercados, no contexto de um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de 20 bilhões de dólares, dos quais 12 bilhões chegarão na terça-feira, 15, segundo Caputo. A cifra mencionada por Milei inclui, além do repasse do FMI, empréstimos de bancos privados com o Banco Central e de organismos internacionais.
Segundo Caputo, as restrições cambiais prejudicaram o funcionamento normal da economia.
O acordo com o FMI inclui metas quantitativas e estruturais que abrangem o desempenho fiscal, a acumulação de reservas internacionais, o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) e a trajetória da inflação.
Sobre o superávit primário, o acordo com o FMI prevê uma meta acumulada de 6,07 trilhões de pesos até 31 de maio de 2025, equivalente a 0,5% do PIB, e de 10,52 trilhões até o fim do ano (1,3% do PIB). Em seu discurso, Milei elevou essa meta para 1,6%.
Quanto à acumulação de reservas, a meta acordada é que o Banco Central termine 2025 com reservas líquidas positivas de 4 bilhões de dólares. Essa meta é acumulativa a partir de dezembro de 2024.
O Banco Central antecipou que haverá um regime diferenciado entre “fluxos e estoques” para pessoas jurídicas. As empresas poderão acessar livremente o câmbio oficial para pagar juros de dívidas e dividendos com as matrizes, desde que sejam valores gerados a partir de 1º de janeiro.
Expectativa do mercado
Há grande expectativa na Argentina sobre qual será a cotação do dólar na segunda-feira, 14 de abril, com a abertura dos mercados às 11h (horário local). O mercado já vinha aprovando a política de austeridade da equipe econômica de Milei, mas continuava atento às reservas do Banco Central.
Para os analistas da Puente, “o governo cedeu em condições (ao FMI) para obter um financiamento maior. A liberalização do mercado cambial foi mais ampla do que o esperado, e esperamos que o mercado de câmbio fique praticamente unificado a partir de segunda-feira.”
No entanto, permanecem algumas dúvidas no mercado. Uma delas é em que nível o câmbio oficial único se estabilizará. “Esperamos que se estabilize dentro da banda, entre os valores atuais do oficial e do financeiro, talvez após um ‘overshooting’ inicial”, acrescentaram.
“O dólar oficial deve abrir entre o Dólar ROFEX de abril (1.200 pesos) e o CCL de sexta (1.350 pesos). Esperamos que abra bem alto, mais perto do CCL (como ocorreu em dezembro de 2015), mas que depois se ajuste para níveis próximos dos 1.200 pesos do ROFEX”, disse em relatório a FMyA, consultoria do economista Fernando Marull.
A equipe de pesquisa do Banco Galicia publicou um relatório especial intitulado “super segunda-feira” com reflexões sobre as últimas medidas do governo. Segundo o documento, as bandas cambiais são “muito mais amplas do que nas experiências de Israel, Chile, Colômbia, entre outros que analisamos”. Para o banco, “se assemelha mais a uma flutuação suja, como a do Peru, embora o relatório técnico afirme que não estão previstas intervenções dentro das bandas”. A entidade espera “algum salto inicial” na cotação do dólar nesta segunda, mas acredita que a oferta “deve reagir rapidamente” após semanas de incerteza.
Mais cedo, em uma sexta-feira agitada para os participantes do mercado, foi divulgada a inflação de março, que veio acima do esperado: 3,7%. Para os próximos meses, projeta-se uma alta inevitável no índice de preços ao consumidor. A FMyA estima que a inflação de abril e maio será de cerca de 5% ao mês, caindo para menos de 2% posteriormente, e encerrando 2025 em 35%.
Há um dado importante: este ano haverá eleições legislativas no país. O mercado se pergunta quão competitivo será Javier Milei, considerando o provável impacto que o fim do controle cambial terá sobre a pobreza, a inflação e o crescimento econômico.