Uma vez passadas as eleições europeias, com a reconfiguração do Parlamento Europeu, o que se pode esperar para a região nos próximos anos? Embora em um ano repleto de datas eleitorais, as europeias não tenham sido as eleições que mais fizeram barulho, da M&G Investments o gestor de renda variável global Randeep Somel afirma que os resultados do que foi votado no passado dia 9 de junho podem atuar “como um alerta”. “Precisamos ver grandes mudanças entre as pessoas que estão à frente da política europeia porque, caso contrário, o nacionalismo continuará crescendo”, acrescenta o especialista.
Durante uma apresentação realizada pela empresa em seu tradicional Summer Soirée em Madri, Somel detalhou alguns dos grandes riscos geopolíticos atuais e quais riscos e oportunidades estão sendo gerados em sua classe de ativo, a renda variável global. Continuando com o estado da União Europeia (UE), o gestor denunciou a ausência de uma política industrial na zona do euro e declarou que um primeiro passo muito necessário que as autoridades europeias deveriam tomar seria “criar indústrias nascentes e protegê-las desde o início”, em alusão ao recente anúncio da aplicação de tarifas de entre 17% e 38% aos fabricantes chineses de carros elétricos. “Esperamos ver mais ações nessa direção”, acrescentou.
Outra das principais deficiências da UE para o especialista é o gasto insuficiente na digitalização da economia e em P&D, algo que reivindica como necessário para impulsionar o tecido industrial na região e competir com outros países que estão se consolidando como potências tecnológicas, não apenas os EUA, mas também China e Índia.
Em termos de investimento, no entanto, o gestor explicou que a renda fixa pode refletir maiores níveis de preocupação e incerteza do que a renda variável, embora o aumento da volatilidade possa gerar oportunidades. Ele ilustrou isso com um exemplo muito concreto, as próximas eleições convocadas por Emmanuel Macron na França após os resultados europeus. A reação do mercado se traduziu em um aumento dos rendimentos franceses, que pela primeira vez na história superaram seus equivalentes espanhóis e portugueses. “Na verdade, agora os investidores consideram que investir em Portugal é menos arriscado do que investir na França”, observou Somel, contrastando a situação com o que foi vivido há treze anos durante a crise da dívida soberana europeia.
Dessa forma, o gestor considera que essa preocupação pode representar, no lado da renda variável, “uma fonte de oportunidade para comprar a preços mais razoáveis negócios de alta qualidade e bem diversificados por geografias que estão cotados na França”. Em contrapartida, considera que França e Itália deveriam se preocupar com a evolução de seus títulos soberanos, pois acredita que esses países mostraram menos disciplina do que Espanha e Portugal ao reduzir seu endividamento. “Se você perder completamente o controle do parlamento, significa que também perderá o controle sobre a dívida. Portanto, temos razões para ser cautelosos com a dívida, mas acreditamos que a renda variável se comportará melhor”, resumiu Randeep Somel.
Para concluir, o gestor constata que tanto nos mercados britânico quanto europeus estão cotadas empresas de boa qualidade, mas com baixas valorizações, devido ao ambiente de estagflação dessas economias. “Se os políticos conseguirem mudar esse ambiente, isso pode ser um catalisador para esses mercados”, conclui.
Cita presidencial com os EUA em novembro
O especialista também dedicou uma breve análise à situação nos EUA, que celebrará em novembro eleições presidenciais atípicas, sendo a primeira vez na história do país que dois presidentes estão competindo por um segundo mandato, sendo também os dois candidatos de maior idade que já se candidataram à presidência. Somel indica que os mercados ainda não estão preocupados com o resultado dessas eleições, e apontou que, historicamente, os investidores não costumam refletir suas dúvidas nos mercados até dois meses antes da data eleitoral.
O gestor focou-se em dois assuntos em particular relacionados a essa eleição. O primeiro, o alto nível de endividamento que os EUA apresentam atualmente, 32 trilhões de dólares que representam mais de 100% do seu PIB. “O país ainda está registrando um forte crescimento, mas se o próximo presidente decidir aplicar mais cortes de impostos ou aumentar os gastos públicos, surgirão mais preocupações entre os investidores”, declarou.
O segundo assunto tem a ver com o futuro das políticas verdes, dependendo de quem for eleito. O gestor acredita que a sustentabilidade pode ser a área que envolve maiores riscos se Donald Trump for reeleito, mas mostra-se pragmático e acredita que há potencial para que as medidas aplicadas não sejam tão prejudiciais quanto se poderia esperar inicialmente. Por um lado, ele lembra que no governo dos EUA aplica-se um sistema de equilíbrios e controles que funciona, como foi demonstrado durante o primeiro mandato de Trump, ao não serem promulgadas tantas medidas quanto prometido durante sua campanha. Por outro lado, Somel afirma que, na verdade, graças à implementação da Lei de Redução da Inflação e outras medidas promovidas durante a Administração Biden que contribuíram para criar uma indústria verde, os EUA se tornaram líderes em sustentabilidade. Além disso, ele indica que 60% de todas as ajudas estatais são distribuídas entre estados republicanos: “O Texas, profundamente republicano, agora gera mais energia renovável do que o estado da Califórnia e é o maior receptor de todas as subsídios”, ilustra.
Três temáticas para investir em renda variável global
Além dessa análise geopolítica, Somel compartilhou três temas de investimento que considera fundamentais para o médio a longo prazo. Em primeiro lugar, destacou o bom desempenho do mercado indiano em termos de rentabilidade durante os últimos 20 anos. “Não é surpresa que o bom desempenho da renda variável indiana tenha andado de mãos dadas com as reformas estruturais que Narendra Modi implementou em seus dois primeiros mandatos”, observa o gestor. Para ele, a reeleição, mesmo em um governo de coalizão, é “um sinal forte de que podemos esperar maior crescimento e a estreia de mais empresas na bolsa da Índia nos próximos cinco a dez anos”.
O segundo tema está relacionado à inteligência artificial (IA). Somel afirma que o próximo passo na revolução da IA será a forma como permitirá que empresas de setores distintos do tecnológico potencializem seus próprios modelos de negócios com novos produtos e serviços, bem como melhorem suas margens de lucro. O gestor fala principalmente das possibilidades nos setores de ciências da saúde, serviços financeiros e educação.
Finalmente, Somel destaca as energias renováveis como “uma área muito forte para investir”, graças ao fato de que a inflação está tomando uma trajetória descendente e à restauração das cadeias de suprimentos após a pandemia. O gestor fala de uma tendência que acredita que irá aumentar, fundos de private equity comprando empresas de energias renováveis como parte do surgimento de novos concorrentes que preferem comprar outras empresas antes de desenvolver suas tecnologias e infraestruturas do zero.
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