O resultado eleitoral na Alemanha foi claro: a União Democrata-Cristã/União Social-Cristã (CDU/CSU) venceu as eleições legislativas no domingo ao receber 28,6% dos votos, conforme mostram os resultados preliminares oficiais. Segundo a interpretação das empresas de investimento sobre esse resultado, o mais provável é que vejamos uma coalizão com o SPD, apesar das dificuldades para chegar a um acordo. Justamente por isso, alertam que o maior risco para os mercados é a prolongação do debate sobre a coalizão governante.
“Os partidos centristas não conseguiram manter uma maioria constitucional, o que complica as perspectivas de uma mudança decisiva no regime fiscal. De fato, qualquer modificação da reforma do freio da dívida precisará do apoio da Esquerda ou do AFD. Este último é contra a reforma do freio da dívida, enquanto o primeiro poderia apoiá-la para aumentar o investimento, mas não a defesa. Portanto, seriam necessários pactos políticos complicados, assim como criatividade fiscal. Se quisermos ver o lado positivo, poderíamos argumentar que a menor capacidade de manobra para o gasto nacional em defesa poderia ser positiva para a UE, com Merz potencialmente apoiando mais o endividamento conjunto da UE”, aponta Apolline Menut, economista da Carmignac.
Para Gilles Moëc, economista-chefe da AXA IM, uma coalizão bipartidária entre a CDU de centro-direita e o SPD de centro-esquerda está em condições de governar. “CDU e SPD compartilham um interesse comum em aumentar os gastos com defesa e apoiar a Ucrânia, além de uma firme perspectiva pró-europeia“.
Por fim, segundo Moëc, “uma guinada em direção à soberania em matéria de defesa para a Alemanha e a Europa implica um forte senso de direção política em Berlim”. O economista destaca a “profunda mudança na doutrina estratégica alemã em defesa” do próximo chanceler alemão, Friedrich Merz, da CDU, um partido que, como comenta Moëc, “historicamente, tem sido o mais firme defensor do alinhamento com os Estados Unidos em matéria de defesa”.
A equipe da Ebury destaca que, não havendo previsão para a formação de um governo que obtenha a maioria, talvez o maior risco para os mercados financeiros seja a possibilidade de prolongação do período de debates sobre a coalizão, que pode durar semanas, se não meses. “Em 2017, o governo de grande coalizão tomou posse quase seis meses após as eleições, após o fracasso das negociações de coalizão entre CDU/CSU, os Verdes e os Democratas Livres. Da mesma forma, após as últimas eleições de 2021, o governo do semáforo foi formado em 73 dias. Os mercados não reagem favoravelmente à incerteza e, como de costume, um período prolongado de incerteza política poderia enfraquecer o euro, já que atrasaria as reformas necessárias para tirar a economia da sua depressão”, indicam em seu último relatório.
Os desafios alemães
O que acontecerá com os demais desafios que a Alemanha enfrenta? Na opinião de Stefan Eppenberger, estrategista sênior, e Michaela Huber, estrategista cross-asset da Multi-Asset (boutique da Vontobel), em relação às tão necessárias reformas, o fator decisivo para a economia alemã (e os mercados financeiros) será se o novo governo irá ou não mexer no freio da dívida. De acordo com o artigo 115 da Grundgesetz, o governo federal tem uma “margem estrutural de endividamento estritamente limitada, ou seja, independente da situação econômica”. Especificamente, isso significa que o “endividamento líquido máximo permitido” é limitado a 0,35% do produto interno bruto.
“Além de um maior estímulo da política fiscal, os mercados financeiros esperam uma redução nos impostos corporativos, diminuição da burocracia, redução dos custos de eletricidade por meio da baixa das tarifas elétricas e de rede, e uma liberalização do mercado de trabalho. No entanto, é provável que grande parte dessas medidas seja difícil de implementar no novo governo de coalizão”, explicam ambos os especialistas.
Por sua vez, David Kohl, economista-chefe do Julius Baer, acrescenta: “Um novo governo liderado pelos conservadores terá a oportunidade de abordar alguns dos problemas econômicos adversos da Alemanha, como a escassez de investimentos e os altos custos trabalhistas“. No entanto, ele acredita que o papel da mudança política pode facilmente ser decepcionante, e persistem desafios como o envelhecimento da população ativa, a escassez de mão de obra qualificada e as cargas regulatórias. “Esperamos que o retorno ao crescimento econômico em 2026 e a moderação nos acordos salariais conduzam a forças desinflacionárias”, acrescenta Kohl.
Segundo Pedro del Pozo, diretor de investimentos financeiros da Mutualidad, “os problemas da economia alemã fariam muito mais sentido serem tratados com uma política fiscal mais ativa, incluindo permitir um maior endividamento para investimentos, algo que, com as contas do país germânico, é perfeitamente viável”. Assim, o especialista acredita que “a principal razão que levará o BCE a reduzir as taxas ainda será a melhora nos dados de inflação e, sobretudo, a projeção que o próprio BCE estabeleceu para a evolução dos preços na Europa, que deveriam se estabilizar em uma alta de 2% até o final do ano”.
Implicação para os ativos
Tendo esse contexto em mente, a DWS considera que serão as políticas estabelecidas no acordo final de coalizão e, mais importante, sua eventual aplicação, que serão decisivas para os mercados. “Na dívida pública alemã e, de fato, europeia, prevemos um impacto limitado, embora a formação rápida de um novo governo e as consequentes reformas sejam consideradas positivas para as perspectivas de crescimento a longo prazo. Da mesma forma, parece que o impacto nos mercados de câmbio será moderado. Para o crédito corporativo, não vemos nenhum impacto significativo, independentemente da rapidez com que se formar um governo”, aponta o relatório.
Sobre o impacto dos resultados para a renda variável, aponta-se que pode haver certa decepção pelo fato de que os democrata-cristãos não obtiveram um mandato mais firme, em favor de uma maior desregulamentação e uma menor redistribuição da riqueza. “Mas, mesmo tais reformas teriam pouco impacto imediato nas expectativas de lucros. Em qualquer caso, e especialmente para a renda variável europeia em geral, a questão mais importante será provavelmente a rapidez com que a maior economia do continente poderá formar um governo eficaz diante, por exemplo, das ameaças tarifárias dos Estados Unidos”, acrescenta.
Nesse sentido, a avaliação feita pelo BlackRock Investment Institute vai na mesma linha. “As ações europeias superaram suas equivalentes americanas este ano e são muito mais baratas em termos relativos do que foram durante décadas. Com muitas más notícias já descontadas, até mesmo a perspectiva de boas notícias poderia ajudar a impulsioná-las ainda mais. O estímulo fiscal alemão ainda pode estar distante, mas os mercados regionais receberão com agrado uma maior clareza política”, apontam em seu último relatório.
Além disso, lembram que uma desescalada da guerra na Ucrânia poderia baixar os preços da energia e estimular o crescimento europeu. “A UE tem agora um ambiente de urgência que geralmente impulsiona a ação: na próxima semana será realizada uma cúpula extraordinária sobre defesa. Espera-se que o Banco Central Europeu reduza ainda mais as taxas este ano, já que o crescimento na zona do euro continua lento e a inflação diminuiu. Mantemos nossa preferência relativa por títulos da zona do euro em vez de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, especialmente os títulos de longo prazo”, indicam.
Por fim, a DWS afirma que, para as infraestruturas privadas, seria fundamental um novo governo formado rapidamente e focado na realização de projetos. “No setor imobiliário, destacamos as restrições sobre a velocidade com que os aluguéis residenciais podem aumentar nas áreas de grande demanda. O governo cessante já havia previsto prorrogar essa medida até 2029, em condições relativamente favoráveis para os proprietários. Dada a relevância dos aluguéis como tema eleitoral, especialmente em termos de mobilização de apoio à Esquerda, não nos surpreenderia ver restrições ligeiramente mais rígidas do que as previstas anteriormente”, afirmam na DWS.