As práticas de investimento responsável têm ganhado força entre os fundos de pensão, investidores institucionais e de longo prazo por excelência. Na América Latina, as administradoras de fundos de algumas das principais economias gerenciam uma parte importante de suas carteiras sob critérios de sustentabilidade. Mais ainda, segundo dados da Federação Internacional de Administradoras de Fundos de Pensão (FIAP) de seis de suas maiores economias, mais da metade dos portfólios consideram variáveis ESG no processo de investimento.
De acordo com uma das Notas de Pensões recentes da organização, com dados até dezembro de 2023 – último dado disponível para todos os países, com base nas informações fornecidas pelas gestoras –, os fundos de pensão do Chile, Colômbia, México, Peru, República Dominicana e Uruguai possuem, em média, 51,5% de cobertura de critérios ESG e de mudança climática em suas carteiras de investimento.
Isso significa que, em média, pelo menos metade das carteiras previdenciárias são analisadas seguindo parâmetros de investimento responsável, definidos por cada administradora com base em modelos internos, conforme ressaltou a Federação.
“A incorporação de critérios ESG na gestão dos fundos de pensão é um tema de crescente relevância, já que esses critérios não só refletem uma tendência global rumo à sustentabilidade, mas também têm implicações diretas na rentabilidade, no risco e na responsabilidade fiduciária dos fundos de pensão”, afirma Manuel Tabilo, gerente de estudos da FIAP, à Funds Society.
Na análise detalhada, a maior cobertura foi registrada na região andina. O Peru lidera a incorporação de variáveis de sustentabilidade, com 86% dos portfólios. Em seguida, estão Chile e Colômbia, que alcançaram 76,3% e 73,8% dos portfólios, respectivamente.
Mais abaixo na lista estão os fundos de pensão do Uruguai, com uma cobertura de 40%, e, por fim, México – onde a regulamentação só tornará obrigatória a divulgação desse tipo de informação pelas Afores a partir de 2026 – e República Dominicana, que reportaram 19,4% e 13,8%, respectivamente.
Além disso, como um sinal da adoção de práticas de investimento mais sustentáveis, a FIAP destaca que 20 administradoras de fundos de pensão latino-americanas assinaram os Princípios para o Investimento Responsável (PRI) das Nações Unidas. Entre elas, estão as chilenas AFP Cuprum, AFP Provida, AFP Capital e AFP PlanVital; as colombianas Protección, Porvenir AFP e Skandia AFP; as costarriquenhas Vida Plena OPC, OPC CCSS e BN Vital; as mexicanas Afore XXI Banorte, Afore Profuturo, Afore SURA, Afore Citibanamex e BBVA Bancomer; as peruanas Prima AFP e AFP Integra; a dominicana AFP Crecer; e as uruguaias AFAP SURA e AFAP Itaú.
Tomando impulso na região
Para Tabilo, existem dois principais fatores que impulsionaram a adoção dos critérios de sustentabilidade na gestão dos fundos de pensão latino-americanos.
Em primeiro lugar, o executivo destaca o crescente interesse dos gestores de sistemas de poupança individual. “Na maioria das vezes, as administradoras de fundos de pensão da região entendem sua responsabilidade de investir pensando no longo prazo e no benefício de seus afiliados e, portanto, a incorporação dos fatores ESG no processo de investimento as ajuda a alocar capital em empresas com bons governos corporativos, que trabalham para criar economias sustentáveis, o que é coerente com sua obrigação fiduciária de considerar esses fatores”, explica.
Em segundo lugar, Tabilo também observa um aumento nas “alavancas” que impulsionam a análise ESG, como as parcerias público-privadas associadas às finanças sustentáveis, o desenvolvimento de “taxonomias verdes” – que permitem diferenciar e classificar esses tipos de instrumentos – em nível local, além do desenvolvimento de regulamentações e iniciativas que apoiam o ESG.
Segundo ele, dada a natureza de longo prazo dos fundos de pensão, essas gestoras buscam garantir segurança financeira por décadas. “Os critérios ESG permitem identificar e mitigar riscos que poderiam não ser evidentes em uma análise financeira tradicional“, diz, onde variáveis ambientais, sociais e de governança podem afetar negativamente empresas e estratégias de investimento.
No âmbito regulatório, o gerente de estudos da FIAP comenta que muitas jurisdições estão impondo requisitos para que os fundos de pensão considerem fatores ESG em sua gestão de investimentos, como acontece na União Europeia. Na América Latina, países como Chile, Colômbia, México e Peru estão adotando estruturas semelhantes para promover a sustentabilidade no sistema financeiro.
“Não se trata apenas de seguir uma tendência ou de uma obrigação ética, mas de reconhecer que a sustentabilidade e a responsabilidade são fatores-chave para a estabilidade social e econômica”, enfatiza Tabilo.
O que falta para avançar
“Apesar de todo o avanço feito na região latino-americana nos últimos anos, ainda há muitos aspectos a serem aprimorados em cada uma das dimensões do ESG para aumentar sua cobertura, e o compromisso das administradoras de fundos de pensão da região é seguir nesse caminho”, pontua o executivo.
Entre os pontos que precisam ser melhorados, ele menciona o estabelecimento de regulamentações claras e padronizadas – de preferência em nível mundial –, alcançar uma maior padronização de dados e métodos – evitando, entre outros, o “greenwashing” – e implementar programas de capacitação, para que todas as entidades financeiras – incluindo equipes de riscos e investimentos das gestoras previdenciárias – possam incorporar os critérios ESG.
“Na FIAP, acreditamos que os objetivos dos investimentos das poupanças para pensões obrigatórias devem continuar voltados para obter uma rentabilidade adequada e segurança. Com isso em mente, é necessário equilibrar os objetivos de sustentabilidade que se deseja perseguir como sociedade”, reforça Tabilo.
No entanto, o executivo afirma que não veem o alcance de 100% de cobertura ESG das carteiras como um objetivo rígido no momento. Preferem encarar isso como um “processo progressivo”.
Por quê? “Uma cobertura de 100% poderia limitar a diversificação, o que é fundamental para gerenciar riscos financeiros, especialmente em mercados onde as opções ESG são escassas. Além disso, poderia aumentar os custos ou reduzir a liquidez caso seja forçada a inclusão de ativos ESG imaturos. E, por fim, a falta de padrões uniformes em ESG poderia levar a inconsistências ou ao “greenwashing”, explica.
Por esse motivo, “uma abordagem pragmática seria aspirar, por exemplo, a um percentual alto (80-90%) no médio prazo“, recomenda, priorizando setores de alto impacto, como energia e indústria, mas mantendo a flexibilidade para incluir ativos não ESG “que sejam rentáveis e não contradigam os princípios básicos de sustentabilidade” do portfólio. “À medida que o mercado evolua e haja mais opções ESG viáveis, esse percentual pode se aproximar dos 100% de forma natural”, prevê