De todas as empresas europeias, 99% têm receitas inferiores a 10 milhões de euros. E, das grandes empresas (entendidas como aquelas com receitas superiores a 100 milhões), 96% não são listadas na bolsa de valores. Para Aramide Ogunlana, diretora de investimentos em crédito privado da M&G, existe “um evidente desequilíbrio entre as fontes de financiamento” e ela acrescenta um dado adicional: apenas 4% das empresas recorrem aos mercados privados para se financiarem, em comparação com 52% que emitem títulos e 44% que são listadas na bolsa. A especialista ministrou um workshop no contexto do European Media Day organizado recentemente pela M&G Investments em Londres.
Nos últimos anos, os mercados privados se tornaram um dos pilares da estratégia de crescimento da M&G Investments, que está desenvolvendo novos veículos para tornar esse tipo de investimento acessível a um espectro mais amplo de investidores. De fato, a firma vem investindo em crédito privado desde 1997, e seu portfólio de investimentos inclui ativos líquidos e ilíquidos de dívida corporativa equivalentes a 15 bilhões de euros apenas em crédito corporativo privado e 35 bilhões de euros em dívida privada como uma classe de ativo mais ampla, incluindo várias estratégias como crédito estruturado, dívida imobiliária, etc.
Ogunlana destaca a importância crucial de ter um longo histórico de investimento nesta classe de mercados, considerando que são muito condicionados pelas relações: “É muito importante manter o contato, especialmente quando você quer chegar às partes mais ilíquidas do mercado e atuar como único credor. Também é muito importante forjar relações no mercado para alcançar as empresas nas quais deseja investir”. Além disso, a especialista ressalta a importância de ter capacidade analítica suficiente dentro da casa para poder desenvolver ratings próprios. No caso da M&G, ela indica que o processo de atribuição de um rating é conduzido de forma independente da atividade dos gestores, para garantir uma visão neutra. A firma prefere focar nos segmentos que classifica como B e BB, e costuma abordar mais de 200 empresas privadas líquidas e entre 40 e 60 empresas privadas ilíquidas.
Por que agora?
Para Ogunlana, o momento atual é especialmente estimulante para aprofundar nas oportunidades de investimento no mercado de dívida privada, ao constatar a tendência decrescente do número de IPOs – os níveis atuais são metade dos registrados nos 20 anos anteriores -, junto com o aumento de exclusões de bolsa por parte de empresas que desejam voltar a ser privadas e poder trabalhar de forma mais próxima e flexível com a fonte financiadora.
A diretora de investimentos observa que o potencial é elevado, dado que atualmente 70% das empresas europeias ainda se financiam através de empréstimos bancários tradicionais, em comparação com 22% das empresas norte-americanas. “Essa oportunidade se destaca particularmente na Europa, embora a tendência global ainda aponte para uma alta intermediação bancária”, pontua a especialista. Ela acrescenta que, historicamente, o mercado europeu de crédito privado superou o norte-americano em termos de rentabilidade (ver gráfico).
Como consequência, a firma observa que, nos últimos anos, surgiram novas estruturas de capital e antecipa também um aumento das alocações de capital para essas partes do mercado. Especificamente, com base em uma pesquisa conduzida pela Preqin em novembro de 2023, a firma prevê um aumento de 51% nas alocações para dívida privada (em comparação com os 9% atuais), seguido por 32% em infraestruturas e 28% em private equity. A única categoria na qual se prevê uma redução das alocações é em hedge funds, que passariam dos 23% atuais para 19% (ver gráfico).
Seguindo os dados de um estudo similar da Cerulli, os veículos preferidos para acessar esses ativos pelo canal atacadista são os ELTIFs (European Long-Term Investment Funds) e fundos abertos semi-líquidos (37% e 36%, respectivamente), enquanto a co-investimento seria a opção menos demandada, com apenas 12% das respostas.
Falsas Aparências
Ogunlana também discutiu um segundo grupo de percepções que não correspondem à realidade em termos de tamanho, liquidez e rentabilidade oferecidas atualmente pelos mercados europeus. Por exemplo, ela explicou que, em contraste com a percepção de que o mercado de high yield é maior e mais líquido que outros segmentos dos mercados privados, a realidade no mercado europeu é diferente (ver gráfico).
Ogunlana demonstra que o mercado de empréstimos alavancados e títulos de taxa flutuante (FRN) tem um tamanho de 470 bilhões de euros, em comparação com os 350 bilhões de euros do high yield europeu. “A senioridade é muito importante para investir nesses mercados, focamos em buscar os ativos de maior qualidade, na parte superior da estrutura de capital, e somos muito seletivos atualmente em nossa análise de crédito porque as taxas de juros ainda estão muito elevadas; precisamos calcular bem qual será a recuperação do principal”, esclarece. A especialista indica que a taxa de recuperação dos empréstimos sindicados é de 73%, comparada a 67% da dívida senior secured.
A parte mais ilíquida do mercado é o direct lending, com um tamanho de 220 bilhões de euros. Trata-se do mercado que envolve as empresas menores (com um EBITDA entre 5 e 75 milhões de euros) e no qual frequentemente cada empresa tem um único financiador ou muito poucos. É um mercado onde “não há margem para erro, precisamos de muita análise de investimento e, portanto, nossa postura é muito conservadora”, pontua a especialista.
Como resultado de todas essas observações, Ogunlana defende uma revisão do portfólio modelo 60/40, dado que observa que o crédito privado oferece benefícios de diversificação e descorrelação em relação aos mercados públicos. Por exemplo, ela afirma que o direct lending se comporta “quase como caixa”, especialmente em comparação com o high yield. Além disso, esses ativos oferecem um prêmio por complexidade e iliquidez em relação a outros ativos. Por tudo isso, faz sentido que os mercados privados sejam considerados não apenas como uma classe própria de ativos ao projetar carteiras, mas também como parte do próprio mix nas alocações de renda fixa e variável mais convencionais (ver gráfico).