Com o objetivo de abordar os desafios e oportunidades enfrentados pelos multifamily offices tanto na Espanha quanto na América Latina, o grupo espanhol iCapital reuniu as principais empresas de consultoria que atuam dos dois lados do Atlântico, e que atendem tanto famílias latino-americanas quanto espanholas, para discutir os desafios de crescimento, tecnologia e regulação, bem como as oportunidades que essas empresas têm ao oferecer um serviço independente e com uma visão holística do patrimônio do cliente.
Sob o título de “Desafios dos multifamily offices na consultoria patrimonial global: semelhanças e diferenças das famílias latino-americanas e espanholas”, participaram do encontro Pablo Martínez-Arrarás, sócio fundador do grupo iCapital Wealth Management Solutions, que oferece desde 2006 um serviço integral a famílias e instituições; Iván Carrillo, CEO da Creuza Advisors EAF, uma empresa de consultoria financeira constituída na Espanha em 2023, mas com uma extensa trajetória prévia no Peru; Javier Nicieza Arias, diretor comercial da Alterna Inversiones y Valores, gestora espanhola subsidiária do grupo financeiro mexicano Actinver; Rafael Juan y Seva, sócio conselheiro da Wealth Solutions, presente na América Latina, Espanha e Estados Unidos, e Pablo Arjona, Managing Partner da MdF Family Partners, empresa de consultoria patrimonial independente também com presença internacional através da WE Family Offices (EUA) e WREN Investment Office (Reino Unido).
Desafios e oportunidades
Os palestrantes iniciaram a intervenção, moderada pela editora-chefe da Funds Society Espanha, Alicia Miguel, destacando o serviço integral de assessoria que oferecem, de maneira independente, sem custódia ou produtos próprios, um modelo que muitos, na época, consideravam impossível de implementar. E que se estende, além da carteira de investimentos, até a estrutura patrimonial que os clientes desejam construir, a governança ou a formação financeira, bem como o legado que cada família deseja transmitir.
“Mais do que desafios, gostaria de falar de oportunidades, tanto na Espanha quanto na América Latina”, apontou Pablo Martínez-Arrarás, “porque há poucas empresas fazendo este trabalho da maneira como nós fazemos“. Um desses desafios é a escalabilidade, devido às características muito diferenciadas de cada cliente. Mas também a captação e manutenção de talentos, dentro de uma indústria em que, como empresas de assessoria pequenas e com um perfil muito específico, se compete com grandes instituições bancárias.
“Acredito que o catalisador em todos os nossos casos sempre será encontrado dentro da indústria em soluções tecnológicas e também para nos tornarmos mais conhecidos, mantendo ao mesmo tempo a discrição que nossos clientes exigem”, indicou, por sua vez, Pablo Arjona.
Regulação e retrocessões
Todos os participantes da mesa concordaram em apoiar a eliminação das retrocessões, que evitam em seus casos com produtos que não as incluem ou que devolvem integralmente aos clientes.
Eles também ressaltaram a importância da regulação, embora considerem que na Espanha é excessiva, especialmente para as empresas menores. “A regulação foi muito boa e criou um filtro inicial que é benéfico”, disse Rafael Juan y Seva. “Mas acredito que estamos em um ponto de certa sobrerregulação”.
Relacionado a isso, um dos temas-chave para os próximos anos será a cibersegurança, que também requer pessoal especializado, investimentos e gera maiores custos. A Lei de Resiliência Operacional Digital (DORA), o regulamento da União Europeia que afeta os serviços financeiros, “vai ser uma volta de parafuso importante”, acrescentou Juan y Seva, que se mostrou, por isso, crítico quanto à proporcionalidade da norma.
Diferenças entre clientes latino-americanos e espanhóis
A Espanha está “na moda” entre os clientes latino-americanos, cujo mercado tradicional é os Estados Unidos, embora queiram diversificar seus negócios também na Europa. “Basicamente, focamos em fazer o cliente se sentir seguro com carteiras conservadoras, que é o que um cliente de um país latino-americano busca: proteção de capital e que seu dinheiro não se desvalorize”, indicou Nicieza.
Iván Carrillo considerou, apesar disso, que a história de incerteza política, econômica, jurídica e de insegurança pessoal que os latino-americanos trazem consigo faz com que seu perfil seja de tomar mais risco que um espanhol. Além disso, a proximidade dos Estados Unidos os acostumou mais a fazer investimentos na parte alternativa.
Por outro lado, Juan y Seva acrescentou que, como consultores espanhóis que trabalham na América Latina, o que os aproxima é a visão compartilhada das relações familiares e uma proximidade que não têm, por exemplo, com empresas norte-americanas.
Outra diferença crucial é o menor apetite por investimentos ESG, tanto na América Latina quanto nos Estados Unidos, destacou Nicieza. Esses clientes preferem canalizar seus objetivos sociais através da filantropia “e não por exigências impostas por outros”.
Os palestrantes concordaram que, embora a presença física próxima não seja indispensável (“não se trata de onde, mas de como”), o contato pessoal e habitual com os clientes é fundamental. Miami e Madri são as duas cidades preferidas como sede de seus consultores, porque costumam visitá-las em suas viagens privadas e se aproximam dos escritórios.
Em um modelo de negócio que combina diferentes famílias e inúmeros depositários distintos, também se destacou o papel da tecnologia para poder ter informações em um prazo razoável e apresentá-las ao cliente, bem como na realização de tarefas repetitivas.
O negócio a cinco anos
Para Nicieza, o objetivo da Alterna para os próximos cinco anos é “triplicar seu negócio atual”. Além disso – acrescentou – com crescimento inorgânico, que é para onde acredita que o mercado que cobre os países latino-americanos está se dirigindo, onde a deslocalização de capitais é fundamental. Ele também acredita que mais concorrentes latino-americanos chegarão à Espanha para cobrir esse mercado.
No caso da iCapital, Martínez-Arrarás espera uma dinâmica de crescimento que continue a dos últimos anos. “A sobrerregulação e a exigência de investimento em tecnologia constituem barreiras de entrada. Também a formação de uma equipe de trabalho de alto nível, e por isso confio que seremos capazes de atrair talentos do setor financeiro para continuar crescendo, com muitos desafios, mas também oportunidades”.
“Temos que estar atualizados com o setor e as famílias, no sentido de que não podemos continuar fazendo o mesmo”, destacou Arjona, da MdF. “Continuar crescendo com famílias espanholas e internacionais e prestando muita atenção à captação e desenvolvimento de talentos”.
Juan y Seva também prevê um mercado em crescimento para a Wealth Solutions, a um ritmo que lhes permita dobrar de tamanho a cada quatro anos. “Acredito que o desafio é que esse crescimento em termos de clientes e ativos tem que ser acompanhado por um crescimento da equipe, que é talvez o mais difícil no nosso modelo de negócio. E então penso que a regulação será um tema chave, porque vai implicar a expulsão de alguns ou fusões, à medida que o mercado amadurecer”.
Finalmente, Carrillo, da Creuza, observa um segmento crescente de jovens com riqueza em uma idade muito menor, que precisará ser atendido por um serviço mais tecnológico. “Essas pessoas, sempre ligadas a um dispositivo e com menor necessidade de conversar com outras pessoas, permitem começar a gerenciar portfólios de investimentos a partir de uma equipe. E isso vai gerar um novo espaço para esse tipo de empresas”.