O sistema previdenciário atual é um modelo inviável, com um rombo multibilionário que só deve aumentar ao longo dos anos, potencializado por vários fatores, como o rápido envelhecimento da população e o aumento da informalidade. A mudança deve vir além das mudanças dos paramêtros, como os privilégios presentes atualmente, onde algumas repartições recebem mais benefícios que outras, na avaliação dos economistas Mansueto Almeida, economista–chefe do BTG Pactual, e do professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Hélio Zylberstajn.
A discussão ocorreu durante a pré-estreia do documentário ‘INSS: A bomba relógio do Brasil’, financiado pelo megainvestidor Luiz Barsi Filho, através de seu instituto AGF.
Na avaliação do economista–chefe do BTG Pactual, fatores como a mudança da indexação do salário mínimo na Previdência é parte determinante da discussão sobre uma possível reforma. “No INSS a tendência é o gasto continuar crescendo. Gastamos mais ou menos 8% do PIB. Em especial se continuarmos com a política de valorização real do salário”, avalia o economista, elogiando a ministra do Planejamento, Simone Tebet, por ter pautado a discussão recentemente, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
“Na grande maioria dos países, o que você garante o benefício é a correção pela inflação. Aqui no Brasil, quase dois terços dos benefícios têm aumento real, pois seguem o salário mínimo”, diz Mansueto. Ele também diz que corrigir o déficit previdenciário, de atualmente R$ 326 bilhões no RGPS (Regime Geral de Previdência Social), de cerca de R$ 150 bilhões no RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), através do aumento dos impostos, acarretaria numa grande pressão da carga tributária, que já é grande no país, quando comparado a seus pares.
“A carga tributária é de 33% do PIB, muito acima da média, que é de 22% do PIB”, salienta. O economista também afirma que é necessário discutir “exatamente onde está o problema”, pois o Brasil “não tem perspectiva de equilíbrio fiscal”, em relação ao aumento das despesas obrigatórias.
“O nosso desafio é pelo menos tornar essa conta viável, para que não crescer num ritmo muito alto’, afirma, argumentando que o país está num processo de envelhecimento muito rápido. “Por volta de 2045, vamos presenciar algo que nunca presenciamos: a população do Brasil vai passar a cair, ano após ano. Tem um debate grande aí de Previdência, que teremos que encarar e fazer”, diz.
Ele também vê como urgente uma revisão das faixas de imposto do Regime Simples, além de uma avaliação mais criteriosa sobre a contribuição obrigatória dos MEI. “Vários países do mundo têm sistemas para pequenas empresas. Porém no Brasil, o critério para você enquadrar no Simples tem uma das faixas de faturamento mais altas do mundo. São questões específicas. A questão é a seguinte: será que a faixa não é muito alta? No Simples eu tenho certeza que é. No MEI, precisaríamos avaliar”, diz.
“São várias discussões técnicas, que são o pano de fundo para termos discussões políticas”, antecipa o economista.
Os quatro pilares de Zylberstajn
Segundo o professor sênior da Faculdade de Economia da USP, Hélio Zylberstajn, não basta atacar as iniquidades do sistema. “Temos menos contribuintes e cada vez mais beneficiários. É um defeito do sistema de repartição, ele é um tiro no pé. Funciona muito bem quando você tem muitos jovens e poucos idosos. Mas depois isso se inverte”, diz.
Segundo ele, que desenvolveu na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) uma ideia de modelo de sistema previdenciário, que deve ser lançada em breve num livro, quatro pilares fundamentais podem salvar a Previdência brasileira, diferenciando-se, portanto, do que avalia como uma aposta “em cesta só, que é o regime da repartição”. Eis o que diz sobre as quatro medidas que considera eficientes num novo sistema:
1) Benefício incondicional: “Precisamos mudar o modelo. O que tá ficando muito claro, com essas transformações todas [no mercado de trabalho, com aumento da informalidade; além do envelhecimento da população], é que não dá mais para financiar a aposentadoria na folha de salário”, diz.
Ele avalia que existe a necessidade um benefício incondicional, não contributivo, para todos os cidadãos, em determinada idade. “Qual o valor? Precisaremos calcular”. O economista defende que esse novo sistema seja único, com todos os brasileiros sob o mesmo guarda-chuva, e que tal medida seria financiada pelo Tesouro Nacional. “Na verdade já estamos muito próximos disso, desses 60% dos beneficiários do INSS, que recebem um salário mínimo, isso praticamente é uma renda básico do idoso e esse povo todo ou não é contribuinte ou é informal”, avalia.
2) Ampliação do INSS para todos: “Teria que cobrir todo mundo. Inclusive funcionários públicos e militares. Um INSS achatado e alargado”, diz. Ele avalia que hoje, com o benefício máximo do INSS sendo R$ 8 mil, quase 3 vezes a renda média do brasileiro, o sistema está muito desequilibrado. “Precisamos hoje é de algo que se aproxime da renda média do brasileiro, somada com aquele primeiro benefício incondicional”, avalia.
3) Transformação do FGTS: “Por que não transformar o fundo de garantia em duas coisas simultâneas? Seguro-desemprego e aposentadoria. Cada brasileiro tem uma conta vinculada, vai pingando todo mês, se ele ficar desempregado usa, e se não ficar, guarda para aposentadoria”, diz.
4) Vinculação ao mercado de capitais. “Seria voluntário, cada um faz o que quiser com o FGTS, ou poupa”, diz o professor, afirmando que no caso de poupança, o mercado de capitais seria utilizado, tal como nos modelos de previdência complementar.
“É a única maneira que vemos de enfrentar as transformações do mercado de trabalho”, afirma Zylberstajn. “O segundo pilar precisa de uma contribuição mínima muito pequena, portanto, com combate à informalidade”, salienta.