A tragédia do Rio Grande do Sul deve trazer riscos inflacionários de curto e médio prazo, embora com um caminho fiscal acertado na reconstrução do estado, segundo os economistas-chefes das gestoras Bradesco Asset (Bram) e Safra Asset, Marcelo Toledo e Daniel Weeks. As afirmações foram feitas durante o TAG Summit, em São Paulo.
O banco Safra estima um gasto de R$ 30 bi a R$ 60 bilhões, ou de 0,3% a 0,6% do PIB, em relação ao custo da reconstrução do estado, que segundo Weeks ainda é “muito difícil de estimar”. No entanto, os maiores impactos devem ser sentidos na inflação, e não só no curto prazo. “A questão do arroz é a mais presente no período mais curto, no entanto, teremos uma grande demanda por bens duráveis, e isso é algo maior, com grande pressão inflacionária, que pode crescer no médio prazo”, diz, sobre a demanda que haverá durante a reconstrução das cidades arrasadas pelas enchentes.
Já Marcelo Toledo, da Bram, vê a tragédia como “algo localizado e pontual”, sem permanência para o quadro de inflação. Ele vê, no entanto, uma grande queda da atividade no 2º semestre, afirmando que tudo vai depender da velocidade da esforço de construção, o que avalia como fundamental, comparando com experiências similares no exterior. “Ser veloz é muito importante, para que aquela atividade econômica local volte. Se não, ela é apenas extinta”, diz.
Em relação ao fiscal, o economista-chefe da Bradesco Asset vê positivamente os caminhos traçados pelo governo federal na resolução da questão, até agora, indicando que fará o financiamento da reconstrução via crédito extraordinário, e não com uma ‘PEC de Guerra’. “Parecem estar acertando, fazendo algo grande e muito bem desenhado para quem realmente precisa”, diz, estimando que o número bilionário do custo da reconstrução ainda “irá crescer muito”.
Arcabouço fiscal se sustenta no longo prazo?
Fora a questão da calamidade na região Sul, o cenário fiscal brasileiro indica uma fragilidade em relação às metas fiscais do país, segundo ambos economistas. “O problema não é o que faremos no RS, o problema está previamente no âmbito fiscal. No nosso debate interno [na Bram], não éramos preocupados com a meta de resultado primário, pois há um problema mais importante: a trajetório de gastos”, diz Marcelo Toledo.
“Atualmente ela segue um caminho que não é compatível com o nosso arcabouço fiscal”, diz, colocando que os gastos devem crescer de 3% a 5%, considerando previdência e reajuste do salário mínimo. “Pelos pisos constitucionais, como estão vinculados, você tem que aumentar o gasto. Então, se aumenta a arrecadação, aumentam os gastos”, diz, colocando que afirma ser difícil ver uma compatibilidade fiscal no orçamento de 2025, cujo projeto deve ser entregue nos próximos meses pelo governo federal ao Congresso. “Acho que teremos uma tensão ali”.
O economista Daniel Weeks vê o futuro do arcabouço fiscal com pessimismo, considerando também a trajetória de gastos e o piso mínimo constitucional. “Entre reformas no âmbito das despesas federais e alterações no arcabouço, vejo mais probabilidade de mudarem o arcabouço”, afirma.
Copom mostra BC dividido?
Em relação à último reunião do Copom, que trouxe uma divisão interna no Banco Central, representada pelo famigerado 5 x 4 na votação entre os diretores antigos e os novos, indicados pelo governo federal, Weeks acredita que não seja reflexo de uma ‘divisão política’, mas de “visões políticas sobre política monetária”, sendo uma ala mais ortodoxa em relação àquela dos novos diretores. Sobre o futuro da autarquia, ele vê um pouco mais de flexibilidade em relação aos patamares aceitos de inflação.
“Diria que é uma coisa mais estrutural, vamos caminhar para um BC mais dovish. Vai aceitar um pouco mais de inflação”, afirma, ressaltando que as condições econômicas pioraram desde o último Copom. “Os diretores que votaram para baixar em 0,25%, devem votar para não baixar. Os que votaram por baixar 50 bps, devem votar por 0,25%”, afirma. “Não vejo espaço para mais rodadas de queda de juros, seria muito difícil cortar os juros, se a inflação estiver um pouco mais acima da meta”.
O economista do Bram, Marcelo Toledo, diz que a projeção da asset, de 4% de IPCA para 2025, não foi alterada por conta do último copom. “Projetamos isso há muito tempo”, afirma. “Acreditamos que no fundo a meta será meio implícita”.
Ele diz que a meta de 3% é de certa forma uma ‘novidade’, sendo o Brasil o único país que baixou a meta de 4% para 3% em meio à pandemia e a consequente alta inflacionária. “Fomos bem ousados nisso”, diz. Ele afirma também que para chegar a 3%, o BC precisa manter a inflação a 2%, e a sociedade jamais permitiria isso. “Se os diretores fizerem chegar a 2%, serão convocados a explicar (…) ‘como vocês puderam deixar a inflação a menos que a meta?'”, caçoa.
Toledo diz que o Brasil tem várias pedras no meio do caminho, sendo o Federal Reserve uma grande, no meio de todas. Ele também se diz surpreso com o resultado (ou a ausência dele) numa Selic que ficou a 13,75% de juros. “Era para a atividade estar muito fraca. Olhando o merado de trabalho, vemos uma economia mais ascendente do que desaquecida”, diz.
EUA: Mudanças no cenário fiscal impactam Fed
Segundo Daniel Weeks, do Safra, houve uma grande reavaliação do cenário macro para os EUA, tendo em conta que já houve 7 cortes previstos para 2024, uma realidade distante, de um passado recente. Um novo fator, segundo o economista, seria o contexto fiscal norte-americano. “No meu entendimento, o que ficou fora das estimativas foi a grande mudança do cenário fiscal nos EUA. Você mudou estruturalmente o nível de deficit fiscal”, diz.
Ele avalia que a discussão ficou apenas sobre ‘até onde a dívida pode ir’, e que somente o lado da sustentabilidade e solvência ficaram na relevância. “Esse aumento da dívida leva a consequências econômicas importantes. Via demanda agregada, você consumiu o hiato, deixou ele positivo, e a taxa de juros neutra de longo prazo também”, diz, colocando que a falha de análise foi ignorar uma variável tão importante quanto o tema fiscal, que “ainda esta muito fora de um equilíbrio”.
Weeks avalia que a taxa de juros neutro, “que rodava perto de 0, deve ter chego a 1,5% ou até 2%”, e a taxa final dos Fed funds, “entre 3,5% e 4%”. “Agora estamos olhando a questão de hiato e o nível de inflação. Posso ser desdito amanhã no CPI, mas trabalhamos no Safra com uma visão de cortes sendo postergados”, diz.